O relatório final do Inquérito 2023.0022161, divulgado pela Polícia Federal e submetido ao Supremo Tribunal Federal, revelou um dos mais graves escândalos de uso indevido de tecnologia estatal para fins de espionagem política na história recente do Brasil. A investigação apontou o uso do sistema First Mile — uma ferramenta capaz de rastrear a localização de celulares — pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) sem qualquer autorização judicial, resultando em mais de 60 mil acessos ilegais entre 2018 e 2021.
O caso, que envolveu a criação de uma verdadeira estrutura paralela de inteligência, composta por servidores públicos, integrantes do alto escalão da ABIN e agentes políticos, evidencia o risco real que ferramentas tecnológicas representam quando operadas à margem da legalidade.
Por que este caso deve alarmar todos os brasileiros?
Porque qualquer cidadão pode ser alvo. O uso de tecnologias de vigilância sem controle, sem base legal e sem transparência é uma ameaça direta às liberdades individuais, à privacidade e à própria democracia. O desvio da ABIN de sua função institucional para servir interesses de um grupo político específico é um atentado ao Estado Democrático de Direito.
A importância da LGPD nesse contexto
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) não é apenas uma norma técnica. Ela é uma barreira jurídica fundamental contra abusos como os revelados neste inquérito. A LGPD garante que os dados dos cidadãos só possam ser acessados e utilizados dentro de parâmetros legais bem definidos, com transparência, proporcionalidade e, em muitos casos, com consentimento.
Sem a LGPD, casos como o do First Mile poderiam se repetir com ainda menos resistência institucional.
O papel da ANPD como guardiã dos nossos dados
Diante desse cenário, torna-se urgente fortalecer a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Mais do que um órgão consultivo, a ANPD precisa de autonomia técnica e financeira, poder de fiscalização efetivo e capacidade de atuar preventivamente, inclusive em casos envolvendo órgãos de Estado.
A ANPD deve ter acesso facilitado a informações de órgãos públicos, inclusive de inteligência, sempre que houver indícios de abuso. Seu papel como reguladora e fiscalizadora deve ser protegido e ampliado por lei e por políticas públicas sérias.
A vigilância estatal, quando necessária, deve obedecer rigorosamente à lei, ser supervisionada por órgãos independentes e jamais servir a interesses políticos ou pessoais. O escândalo do sistema First Mile serve de alerta: a tecnologia é poderosa, mas sem controles democráticos, ela vira uma arma contra o povo.
É preciso cobrar responsabilização. Mas, além disso, é fundamental investir em instituições fortes, leis modernas como a LGPD e em uma cultura de respeito aos direitos fundamentais. Só assim poderemos garantir que as tecnologias estejam a serviço da sociedade — e não o contrário.
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